[Resenha] A Dança da Água

24 de julho de 2020

Título: A Dança da Água
Autor: Ta-Nehisi Coates
Editora: Intrínseca
Páginas: 400
Ano: 2020
*Ainda não está sendo comercializado, atualizo quando estiver
**Cortesia da editora na caixinha Intrínsecos de julho
Sinopse: Por todos os estados Unidos as plantações de tabaco floresceram e trouxeram riqueza aos senhores de escravos durante o século XIX. Ate a exaustão da terra e dos homens. Na Virginia pre-Guerra Civil, quando a bonança começa seu declínio, Howell Walker vislumbra o próprio fim e sabe que precisar de um substituto para administrar os últimos dias de Lockless, sua vasta propriedade. Em um mundo de dualidades tão flagrantes, logo fica claro que seu único herdeiro, Maynard, não tem nenhuma aptidão para essa missão. E mesmo o jovem Hiram , com sua resiliência infalível, não poderia faze-lo - além de filho ilegitimo de Walker, ele é um escravo.
Com o apuro linguístico que o tornou um dos mais notáveis escritores dos Estados Unidos, Ta-Nehisi dispensa o termo "escravo" - Hiram, bem como todos que trabalham nas plantações, são os Tarefas. Sua memoria fotográfica é capaz de guardar detalhes de absolutamente todos os fatos e coisas, exceto uma delas: a própria mãe, que um dia foi vendida e levada para nunca mais voltar.
O pai branco tirou Hiram da plantação e fez dele um escravo da casa-grande, permitindo que entretesse convidados com seus truques de memoria e ate mesmo tivesse aulas com o filho legitimo. Esse reconhecimento ressoa em Hiram como uma esperança silenciosa, logo desfeita quando ele se torna servo do meio-irmão. Ate acontecer o terrível acidente no rio.
Hiram tem a vida poupada por um poder misterioso e ate então oculto dentro de si, uma herança materna que se perdera junto com as lembranças da mulher que o concebera. Hiram é um Condutor, tem a habilidade sobrenatural de se transportar de um lugar para outro em questão de segundos, como da Virginia á Filadélfia. Um dom magnifico para quem não é dono da própria vida. Esse chamado ancestral que emanou da água no dia do afogamento, faz brotar no jovem uma grande urgência: ele precisa escapar do lugar que foi seu lar e prisão desde o dia em que nasceu.
Começa aí a inesperada jornada que levara Hiram da grandiosidade corrupta dos senhores de escravos a células abolicionistas infiltradas na floresta; da cova funda da escravidão do sul dos EUA aos movimentos perigosamente idealistas do norte do país. Mesmo assumindo um papel importante nessa guerra clandestina, Hiram não desistira de resgatar a família que deixou para trás quando fugiu em busca de libertar não só sua vida, mas suas lembranças.
Resenha
“Tentei rememorar o rosto dela, mas, quando a lembrança não me veio, pensei em seus braços, suas mãos, mas só havia fumaça e, quando procurei me lembrar das suas correções, dos seus sentimentos, encontrei apenas fumaça. Ela havia passado da colcha quente da memória para a fria biblioteca dos fatos.”
Hiram é um jovem negro do século XIX, nascido e criado em cativeiro, servindo aos seus senhores e sem o controle da própria vida. Ainda criança, teve que aprender a viver sem a mãe, ela foi arrancada de seus braços, levada para algum lugar longe dele e ele foi deixado para sobreviver à própria sorte. Aquela noite é um borrão em sua memória, muitos anos depois e Hiram mal consegue se lembrar o que, de fato, aconteceu. Tampouco tem qualquer lembrança de sua amada mãe. O que é estranho para Hiram, já que ele possui memória fotográfica.

Sem ninguém da família por perto, Hiram estava sozinho e amedrontado, mas teve uma ideia. No lugar onde os Tarefeiros(escravos) moravam havia uma senhora carrancuda e ranzinza, que enxotava as crianças e não gostava de conversas, só fazia o seu trabalho e não se misturava, Hiram não sabia a quem mais recorrer, quem mais poderia aceitá-lo, então ele procura por Thena e pede abrigo, ela atende prontamente e os dois passam a morar juntos. Ela jamais poderia substituir a sua mãe, mas foi ela quem o criou, quem lhe educou e lhe deu amor. A relação entre eles é sólida, um laço de amor muito forte. Ela foi a mãe que ele precisava e Hiram foi os filhos que ela havia perdido.
Hiram é filho branco dono do lugar, Howell Walker é um homem rico e importante, mas o patrimônio de Howell está ameaçado, a sua situação financeira começa a entrar em queda e o homem não dá o braço a torcer, se recusa a aceitar que suas plantações estão se esgotando e procura, desesperadamente, capacitar seu filho Maynard para assumir o negócio da família. No entanto, Maynard é irresponsável e negligente, tão diferente de seu irmão negro, o que o deixa enciumado e com raiva de Hiram, que por sua vez atende a todo e qualquer pedido de seu senhor – pai.

Howell logo percebe os talentos de Hiram, que ainda jovem demonstrava ser dono de grande inteligência e um potencial enorme para liderar, Howell permitiu que seu filho tarefeiro tivesse aulas de escrita e leitura, deu a ele uma excelente educação, mas nada disso foi pensando no bem do filho – lembre, Hiram era seu escrevo –, Howell pensava apenas em seu próprio benefício. Ele queria que Hiram fosse responsável por cuidar de Maynard, sendo seu escravo pessoal, então o capacitou para que seu filho legítimo tivesse o melhor escravo possível, que poderia aconselhá-lo quando necessário e fosse o seu braço direito.
E então acontece um acidente que muda tudo. Hiram e Maynard caíram em um rio tão profundo que seria impossível para qualquer um sair dele com vida, mesmo sabendo nadar, a queda nele é a certeza da morte. Maynard morreu rapidamente, mas Hiram conseguiu se salvar de maneira misteriosa, na época ele ainda não entendia, mas era o seu dom da Condução que estava despertando. Um dom que lhe foi transmitido pelo seu sangue, o dom veio da sua avó e logo seria a sua esperança de liberdade, tanto dele quanto das pessoas que ama.

A Condução é um dom sobrenatural que envolve algumas questões das quais Hiram não sabe quase nada e vai aprender ao longo dos anos. Ele não é o único, vai encontrar outros como o mesmo dom, mas nenhum tão bom quanto ele, com um poder tão forte. Hiram vai se envolver com pessoas dispostas a arriscar a própria vida para libertar escravos, pessoas que vivem na clandestinidade e quem têm uma grande influência. É tudo muito perigoso, as coisas precisam ser feitas em silêncio, até mesmo quem está dentro do grupo vive à sombra de segredos. Hiram desenvolverá um papel importante nessa luta, porém, tem suas próprias batalhas para travar.
Minha impressão
A Dança da Água é uma obra que mexe com o leitor e o revira de cabeça para baixo durante a leitura, é um soco no estômago, pega o coração e o transforma em caquinhos. Uma obra intensa e com cenas fortes, que traz a história de vidas escravizadas, violadas, torturadas, degradadas. Mães e pais separados de seus filhos sem saber  para onde são levados e com a única certeza de que suas crianças sofrerão sem seus pais por perto para protegê-los ou acalentá-los; esposas separadas de seus maridos e sendo violentadas e açoitadas pelos homens brancos; maridos vendo suas esposas serem levadas pelos senhores sem poderem reagir e quando reagiam recebiam uma cruel correção. Negros tratados sem dignidade, sendo constantemente humilhados e torturados, tendo que se submeterem a todo e qualquer desejo sórdido de seus senhores, morrendo pela exaustão e pela tortura.

Em A Dança da Água nós acompanhamos Hiram, um jovem escravo filho do homem branco. Hiram tem um dom sobrenatural que desperta após um acidente em um rio que teria levado a sua vida se não fosse pelo dom, a partir deste acidente – que matou seu meio irmão branco que era seu dono – as coisas mudam para Hiram e não se pode dizer que foi para melhor. Acostumado com a perda, com o sofrimento, Hiram tem um único desejo, libertar aqueles que ama. Nós vemos toda a sua história, desde criança aos dias de adulto. Sua mãe foi vendida quando Hiram era criança e ele não sabe o que aconteceu com ela, Hiram foi deixado para viver sozinho, mas conseguiu ajuda com uma senhora amargurada pelas perdas que teve na vida.

Com o passar dos anos, vemos o menino se transformar de criança a adulto e através de seu olhar somos levados para dentro de uma história muito triste e emocionante, que fala sobre perda e recomeço, sobre viver com a angústia e com a dor, sobre a força de pessoas que já não tinham mais nada a perder e conseguiam se reerguer dia após dia, mesmo quando o corpo e mente estavam destruídos, elas não podiam parar, eram obrigadas a continuar.

É uma obra que eu recomendo, não é um livro fácil de ser lido, mas é uma leitura enriquecedora.

Minha nota para o livro

4 comentários:

  1. Oiii Bia

    Parece ser um livro bem forte, até brutal mas que com certeza traz uma revolta e uma reflexão profunda em quem lê, achei interessante, mas confesso que não sei se leria no momento já que ando numa vibe de coisas mais leves.

    Beijos, Ivy

    www.derepentenoultimolivro.com

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  2. Gostei muito da premissa do livro e de sua resenha, parece ser uma história muito intensa e além do tema escravidão ainda tem fantasia, com certeza é um livro que eu leria, doida pra que chegue as livrarias logo.

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  3. Que livro intenso, bem bacana a proposta, mostrando a realidade e crueldade brutal da escravidão e que sirva para muitos compreenderem a divida histórica que temos.

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  4. Olá!

    Nossa, o livro parece extremamente forte. Sempre fico muito abalada com histórias (mesmo que em ficção) que mostra tamanha injustiça no que se trata de escravidão.
    Sua resenha me deixou curiosa. Achei o fato de ter uma pincelada de sobrenatural no meio do enredo bem interessante. Não sei se seria uma leitura que eu faria, mas parece um ótimo livro.

    Beijo!

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