[Resenha] O Silêncio das Filhas

16 de setembro de 2021

 

Título: O Silêncio das Filhas
Autor: Jennie Melamed
Editora: Rocco
Páginas: 384
Ano: 2021
*Cortesia da editora
Sinopse: Fanatismo e intolerância se perpetuam há várias gerações e regem a vida das mulheres dessa ilha, que são controladas pelos patriarcas. O destino não lhes pertence. Até que um dia a pequena Caitlin testemunha uma cena chocante e não consegue mais ficar em silêncio em relação aos seus sentimentos.
Em uma pequena ilha isolada e segura, descendentes de dez famílias vivem numa comunidade fechada regida por suas próprias regras. Sem tecnologia, sem moeda e com práticas sexuais perturbadoras, a ilha é governada pelos Viajantes, um grupo de homens privilegiados que faz incursões às Terras Devastadas para buscar os restos e detritos de um mundo arrasado que possam ajudar na subsistência dos ilhéus. Semelhante a uma aldeia medieval de rígida estrutura patriarcal e religiosa, os habitantes cultuam os Ancestrais, os primeiros a chegar à ilha. As mulheres são subservientes aos homens, que reinam fortes e absolutos, e criadas para ficar em casa, costurar, cozinhar, limpar, casar e engravidar. A procriação é controlada, o saber e a história, racionados.
O silêncio das filhas é narrado a partir de perspectivas múltiplas, todas femininas. Amanda, casada e grávida, que começa a questionar os mandamentos dos Ancestrais. Vanessa, que tem mais conhecimento do que a maioria das meninas por ter acesso à biblioteca do pai, um Viajante. Caitlin, uma garota tímida e insegura que testemunha algo que vai contra tudo o que os Ancestrais ensinaram. E Janey, uma líder emergente que não aceita os papéis de gênero que a comunidade lhe impõe.
A tensão narrativa se constrói a partir da caracterização habilidosa e lírica das vozes centrais, do ambiente inóspito em um futuro distópico de uma ilha congelante nos invernos e infestada de mosquito nos verões, da desconfortável normalidade social dos abusos dos homens com suas filhas. Através das vozes das meninas, amadurecendo física e emocionalmente ao longo das estações, acompanhamos tudo o que acontece de dramático e surpreendente numa sociedade aterrorizadora, misógina e sombria que caberá a elas enfrentar e mudar.

Resenha
Uma ilha, uma comunidade, regras que não podem ser quebradas e meninas sendo abusadas... estupradas pelos seus próprios pais. Há muito tempo, viajantes chegaram a uma ilha e se estabeleceram nela, ali construíram uma comunidade que não seria bem aceita em nenhum outro lugar do mundo. Para que tudo desse certo, precisavam se certificar de que a ilha continuaria isolada. As próximas gerações seguiram suas práticas horrendas, as coisas se naturalizaram, faziam patê do cotidiano das pessoas da ilha. Mas isso não quer dizer que não incomodava e que as meninas não quisessem que acabasse. Que não desejassem vidas diferentes. Mas como mudar as coisas se não tem como fugir?
“―Você sabe o que eu quero dizer! Desde que eu era menina. O amor, o amor que parecia... errado. Aquilo me deixava doente. Mamãe me odiando, me responsabilizando como se a culpa fosse minha! A primeira vez que aconteceu doeu tanto que eu achei que ia morrer. Achei que ele estava me matando, que eu tinha feito algo terrível e ele estava me castigando. Eu não sabia o que tinha feito. E então acabou, e percebi que ia viver, e pensei, pelo menos nunca mais vou ter que fazer isso. E então, toda noite. Ou quase.”
As famílias que moram na ilha seguem fielmente as regras. As mulheres não têm voz e os homens comandam o lugar. A pequena comunidade não tem contato com o mundo externo, a religião predomina e a vontade dos ancestrais é respeitada. Apenas poucos viajantes têm permissão para sair, mas eles não dão notícias do que acontece no continente e filtram todas as informações para que as pessoas continuem alienadas. As pessoas acreditam que fora da ilha está um verdadeiro caos, que Deus castigou as pessoas por causa da guerra e ali na ilha são as únicas que estão salvas porque cumprem as vontades Dele.
A vida útil na ilha é curta, então não existem idosos, quando todos cumprem com seu dever, devem tomar a poção final e morrer, deixando para a próxima geração continuar com as monstruosidades. As mulheres que se recusam ou que tentam fazer algo diferente, são mortas por hemorragia e todas as demais ficam com medo. Quem vai contra alguma das regras ou contra a vontade dos ancestrais, é castigado. Não tem como sair da ilha. Não tem como se esconder na ilha. A única coisa que se pode fazer é aceitar o destino ou morrer tentando se livrar dele.

Os pais tomam os corpos das filhas, as estupram, as machucam e ninguém pode fazer nada porque essa é a lei, essa é a vontade dos ancestrais e isso é o certo. As mães só podem lamentar por verem suas filhas sofrendo as mesmas coisas que elas sofreram quando eram mais novas. E isso acontece desde muito cedo. Quando ainda são crianças. Quando elas menstruam, são obrigadas a se casarem. Independentemente da idade que tenham. E o ritual para o casamento é abominável. Para os homens, quanto mais cedo as meninas engravidarem, melhor. Elas procriam, produzem mais bebês. Se forem meninos, são recebidos com alegria e se forem meninas, sua chegada ao mundo é em meio a lágrimas e sofrimento porque mãe nenhuma quer assistir às filhas sendo estupradas. Também não querem ver seus filhos crescendo e se tornando estupradores, mas o destino das meninas é muito, muito pior.
Algumas das meninas começam a se reunir secretamente, tomam o maior cuidado para que os adultos não
desconfiem de suas fugas à noite. Elas sabem o que acontece com todas, sabem o que os pais delas fazem. Algumas encontram consolo em suas mães, outras só têm o ódio delas, mas todas têm em comum o nojo e o medo dos pais e se sentem culpadas por isso, porque sabem que o que os pais fazem é o certo, por mais que lhes pareça errado. Na primeira reunião, Caitlin conta algo que choca a todas as meninas, ao que tudo indica, aconteceu um assassinato. A morte dessa menina foi divulgada como sendo hemorragia, mas se ela foi assassinada quantas outras que morreram de hemorragia também não foram?

Cada uma das meninas, crianças e adolescentes, quer fazer isso tudo parar, quer ir a outro lugar, quer sair da ilha. Mas como? Elas são muito novas e não podem contar com a ajuda de suas mães, tampouco podem deixar os pais descobrirem o que elas querem. Elas não têm ideia de como vão fugir ou se, de fato, vão conseguir fugir, mas a única certeza é que não podem ficar paradas e deixar os homens continuarem controlando seus corpos, suas vidas e seus futuros. Elas querem mudança e vão precisar de muita força e coragem.
Minha impressão
O Silêncio das Filhas é uma leitura angustiante, eu me sentia sufocada, aflita, enjoada enquanto estava lendo. Ficava horrorizada com as práticas dos habitantes da ilha e torcia para que tudo acabasse e que o mundo descobrisse o que estava acontecendo ali com aquelas meninas geração após geração.

Nós acompanhamos a rotina da ilha através do relato de algumas meninas com idades diferentes, mas todas são bem novinhas. A mais velha tem dezessete anos. A mais nova, apenas oito. A ilha é completamente isolada e comandada pelos homens. As mulheres são apenas objetos de prazer e isso inclui as próprias filhas. Os pais as estupram e é assim em cada uma das casas das famílias que moram na ilha.

Embora não tenhamos detalhes dos estupros, as cenas são pesadas, as meninas contam como se sentem em relação aos pais e aos seus maridos. Sim, elas casam tão logo menstruam e se tornam mães até mesmo antes dos quinze anos. É impossível ler e não querer mudar as coisas, não sentir repulsa, não se entristecer pelo que acontece. As meninas descobrem que uma delas foi assassinada e que o crime foi escondido com a mentira de que ela morreu de hemorragia. Então começam a se questionar e a reagir. É o começo de uma pequena rebelião. Mas é tão injusto. São apenas crianças contra homens adultos. Elas não têm para onde ir, não podem sair da ilha nem se esconder nela.

O final me deixou bem triste. Alguns leitores podem entendê-lo como um sinal de esperança, mas eu me senti impotente diante de uma realidade tão cruel. Por mais que seja uma ficção, as histórias encontradas nesse livro não estão longe do que acontece na vida real com muitas meninas. A autora é enfermeira psiquiátrica especializada no tratamento de crianças traumatizadas, durante o doutorado, ela estudou sobre os aspectos do abuso infantil e no livro ela nos mostra muito disso. É uma obra que recomendo, eu gostei bastante! Mas, atenção, há gatilhos.

Minha nota para o livro

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